Do Jusbrasil
Os
crimes praticados no âmbito doméstico ocupam o “topo” das maiores demandas
criminais levadas ao judiciário na contemporaneidade, ao lado de outros
“astros” dos tipos legais, como tráfico de drogas, furto, roubo e etc.
As
violências físicas, morais, sexuais e patrimoniais decorrentes das relações
íntimas de afeto desdobram-se em uma série de crimes, entretanto, no presente
trabalho nos restringiremos aos crimes de Ameaça e Descumprimento de Medida
Protetiva , vejamos:
“Art.
147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio
simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena
- detenção, de um a seis meses, ou multa.”
Normalmente
no dia a dia forense, a prisão preventiva no âmbito da Lei Maria da Penha pelo
crime de ameaça decorre da prática do crime de Descumprimento de Medida
Protetiva, consubstanciada no art. 24-A da 11.340/06:
“Art.
24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência
previstas nesta Lei:
Pena
– detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.”
O
fundamento legal para o decreto prisional para o crime de Ameaça associado com
o crime de Descumprimento de Medida Protetiva encontra-se no art. 313 do Código de Processo Penal:
“Art.
313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão
preventiva:
I -
nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4
(quatro) anos;
(...) III
- se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,
adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução
das medidas protetivas de urgência; GRIFOS
O
mencionado artigo acaba sendo a resposta positiva e negativa dos
questionamentos feitos nesse singelo trabalho, uma vez que o inciso I traz o
início da nossa discussão.
De
certo que não estamos relativizando o grande problema social que a violência
doméstica representa, por outro lado, deve ser apontado que a prisão preventiva
decretada nas hipóteses acima narradas, destoam do conteúdo constitucional e
infraconstitucional que trata da matéria.
O
art. 33 do Código Penal diz:
“Art.
33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou
aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de
transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)§
2ºº - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma
progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e
ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) o
condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime
fechado;
b) o
condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não
exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o
condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos,
poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.” GRIFOS
Analisando
os art. 24-A A da
Lei 11.340 0/06 (Descumprimento
de Medida Protetiva), observamos que o mencionado tipo legal possui pena
de detenção de 03 meses a 2 dois anos e o do art. 147 7 (Ameaça)
do Código Penal l,
pena de detenção de 1 a 06 meses.
Fazendo
a somatória no patamar máximo (o que no caso concreto é muito difícil
acontecer) de uma eventual condenação do acusado por ambos os crimes teríamos
uma pena de 2 anos e 06 meses de detenção, nos moldes do art. 33 3 § 2ºº, alínea c do Código Penal l
o condenado não reincidente poderia cumprir a pena desde o início em REGIME
ABERTO.
Diante
da concatenação de todos os dispositivos jurídicos acima colacionados, concluo,
que não é cabível a prisão preventiva nos aludidos crimes com fundamento nos
princípios da Proporcionalidade e Homogeneidade, vejamos:
“o
Princípio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso
concreto, sem perder de vista a densidade do fumus commissi delicti e do
periculum libertatis. Deverá valorar se esses elementos justificam a
gravidade das consequências do ato e a estigmatização jurídica e social que irá
sofrer o acusado. Jamais uma medida cautelar poderá se converter em uma pena
antecipada, sob pena de flagrante violação à presunção da inocência”. (Lopes
Junior, Aury, Direito Processual penal, 17ª ed. – São Paulo, Saraiva, 2020, pág
.647).
“Como
desdobramento do princípio da proporcionalidade cabe mencionar o princípio da
homogeneidade das medidas cautelares. Quando se vislumbra que, no final, não
será imposta a prisão, não se justifica a medida cautelar da prisão ( CPP, art. 283, § 2º). Que sentido tem prender uma pessoa no curso da
instrução criminal se, no final, não será imposta a pena de prisão. (...) é
desproporcional e nada homogêneo decretar a prisão preventiva quando já se sabe
que será imposta uma pena alternativa. Quando, pela quantidade da pena, logo se
percebe que o réu não ficará preso, não se justifica a prisão cautelar (como
regra geral).” (GOMES, Luiz Flávio et al. Prisão e medidas cautelares:
comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.
2.ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.55).
Nos
dizeres do douto Aury Lopes Jr. a prisão cautelar não pode simbolizar uma
antecipação da pena, o que torna o decreto prisional no crime de Descumprimento
de Medida Protetiva e Ameaça ainda mais absurdo, uma vez que ao final do
eventual decreto condenatório não será cabível pena em regime fechado.
O
princípio da Homogeneidade com bem elucidou o inigualável LFG, não permite a
prisão cautelar de prisão, quando ficar consubstanciado que ao final do
processo não será imposta a aludida pena.
Infelizmente,
o judiciário temeroso com as repercussões midiáticas que possam surgir, tem
decretado a prisão cautelar mesmo que a propedêutica jurídica nos leve a um
caminho oposto.
Ao
que parece, tem sido uma tentativa de sanear eventual “erro ou omissão” do
legislador, pois, se quisesse tratar tais crimes com mais rigor, o legislador
deveria ter elevado as penas em abstrato dos crimes de Ameaça e Descumprimento
de Protetiva.
Nos
remetendo ao princípio da individualização da pena que segundo a lição de
Rogério Sanches:
“A individualização
da resposta estatal ao autor de um fato punível deve ser observada em três
momentos: a) na definição, pelo legislador do crime e sua pena.
(...)” (Cunha, Rogério Sanches, Manual de direito penal :parte geral, 8.
Ed.rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2020, pág. 127)
Como
se observa, o legislador quando eleva um determinado bem jurídico ao patamar de
ser considerado como um fato penalmente punível, exerce a individualização da
resposta ao fato punível definindo qual conduta será considerada criminosa e a
sua pena.
Com
a devida vênia, os magistrados quando decretam a Prisão Preventiva nas
hipóteses acima elencadas além de se apartarem dos princípios da
Proporcionalidade e Homogeneidade, conferem gravidade aos crimes de maneira
diversa da que fora concebida pelo legislador.
Pois,
se fosse a sua vontade trazer patamar de gravidade abstrata maior aos crimes
aqui tratados, o teria feito por meio de elevação das penas.
Sendo
assim, não pode o judiciário compensar esse “erro” legislativo as custas da
liberdade dos jurisdicionados, fazendo que se cumpra uma pena (a prisão
cautelar é uma pena sem trânsito em julgado) que jamais será alcançada no
deslinde final do processo.
Concluindo,
nas hipóteses de Descumprimento de Medida Protetiva e Ameaça praticadas no
âmbito doméstico, é cabível no máximo Medidas Cautelares diversas da Prisão por
serem mais adequadas ao tratamento dado pelo legislador aos mencionados crimes.
Marília-SP.
BIBLIOGRAFIA.
Lopes
Junior, Aury, Direito Processual penal, 17ª ed. – São Paulo, Saraiva, 2020, pág
.647.
GOMES,
Luiz Flávio et al. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.
2.ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.55.
Cunha,
Rogério Sanches, Manual de direito penal :parte geral, 8. Ed.rev., ampl. e
atual. – Salvador: JusPODIVM, 2020, pág. 127.