A
denúncia apresentada na quinta-feira pela Procuradoria-Geral da República
contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao STF (Supremo
Tribunal Federal) é uma nova fonte de desgaste para o principal opositor do
governo, o que tende a trazer benefícios para a presidente Dilma Rousseff e
enfraquecer a oposição.
No entanto, o
alcance desses impactos depende ainda da decisão dos ministros do STF de
aceitar ou não a denúncia e tornar Cunha réu, observam analistas e políticos
ouvidos pela BBC Brasil.
Por enquanto,
a maioria dos deputados tem defendido o direito de Cunha de prosseguir como
presidente da Casa e se defender. No entanto, é crescente o número de deputados
que defendem seu afastamento. Uma nota defendendo sua saída já tem o apoio de
parlamentares de dez partidos – PSOL, PSB, PT, PPS, PDT, PMDB, PR, PSC, PROS e
PTB.
Cunha foi
denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sob a acusação de
participar do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato.
Ele é acusado
de receber propina de US$ 5 milhões (R$ 17 milhões) para viabilizar a
construção de dois navios-sondas da Petrobras, o que ele nega. Na denúncia, é
pedida a condenação do presidente da Câmara por corrupção passiva e lavagem de
dinheiro.
A ex-deputada
federal Solange Almeida (PMDB), atual prefeita de Rio Bonito (RJ), também foi
denunciada sob a acusação de corrupção passiva. Outra denúncia foi apresentada
contra o senador Fernando Collor (PTB-AL), mas ainda não tornada pública porque
algumas das delações que o incriminariam ainda são sigilosas.
Entenda quais
devem ser os impactos políticos da denúncia contra o presidente da Câmara.
Governo
x oposição
Para o
cientista político e professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Renato
Perissinotto, a denúncia contra Cunha é mais um fator de desgaste para
presidente da Câmara, que já vinha perdendo poder desde a semana passada.
Ele afirma que
líderes empresariais e grandes jornais nacionais e estrangeiros, como O
Globo e o americano The New York Times, se manifestaram nos últimos
dias, por meio de entrevistas e editoriais, a favor da governabilidade e contra
as decisões de Cunha de colocar em votação projetos que elevam os gastos do
governo.
"Essa
denúncia é mais um ponto nesse processo de desgaste. De saída, representa o
enfraquecimento de um dos mais contundentes adversários do governo",
afirma o professor.
Na sua
avaliação, as acusações contra Cunha também são uma notícia negativa para
políticos de oposição, como os tucanos, que têm se alinhado com o presidente da
Câmara nas críticas e nas votações contra o governo.
"Ele
agora faz parte de todo esse escândalo de corrupção que está sendo investigado,
e qualquer tentativa de se aliar ao Cunha também passa a ter os custos desse
problema", acrescenta.
Por todos
esses fatores, Perissinotto diz acreditar que as chances de um impeachment da
presidente Dilma Rousseff caíram muito nas últimas duas semanas. É Cunha, como
presidente da Câmara, que teria o poder de colocar a questão em votação.
No entanto, o
cenário político atual torna mais difícil que isso ocorra, ainda mais porque
decisões das últimas semanas indicam que os julgamentos que correm contra Dilma
no TCU (Tribunal de Contas da União) e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
ainda vão demorar para ser concluídos.
Mais
instabilidade
O professor de
ciência política da UnB (Universidade de Brasília) David Fleischer também
considera que a denúncia contra Cunha é um fator negativo para a oposição e que
reduz as chances de que o impeachment seja votado.
No entanto,
pondera que o peemedebista ainda é forte na Câmara e pode dar mais trabalho
para a presidente.
"Isso
pode gerar mais instabilidade porque pode aumentar a raiva dele. Ele pode ainda
atrapalhar muita coisa (ao definir as pautas de votação)", diz.
O especialista
lembra que, em 2005, o então presidente da Câmara Severino Cavalcanti se
afastou do cargo devido a denúncias envolvendo valores muito menores –
acusações de ter recebido propina mensal de R$ 10 mil da empresa que gerenciava
o restaurante da Casa.
"Por
muito menos, Severino foi afastado. Mas ele não tinha um controle sobre a
Câmara como Cunha tem. Cunha foi eleito pela maioria absoluta e tem um poder
muito consolidado sobre os deputados", observou.
"Agora,
nós também não sabemos para onde vai a Lava Jato, pode ser que apareçam mais
denúncias contra ele. Há um crescente grupo de deputados que querem afastá-lo.
Se esse grupo ganhar mais força, isso pode diminuir o controle dele sobre a
Câmara", ressaltou.
Afastamento?
A maioria dos deputados
vem mantendo um discurso cauteloso sobre a situação de Cunha, destacando que
ele não está condenado e terá direito a se defender.
O PSOL é o
único partido que em bloco defende o afastamento do peemedebista da presidência
da Casa. Mas, segundo o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), parlamentares de
outros nove partidos já manifestaram o mesmo desejo – PSB, PT, PPS, PDT, PMDB,
PR, PSC, PROS, PTB.
Os nomes ainda
estão sendo colhidos e serão apresentados na próxima terça-feira.
Os
pernambucanos Jarbas Vasconcelos (PMDB) e Silvio Costa (PSC) já vinham
defendendo o afastamento de Cunha mesmo antes de a denúncia ser apresentada por
Janot.
O petista
Alessandro Molon foi um dos que engrossaram o coro: "Não há dúvida de que
o deputado Eduardo Cunha deve se afastar da presidência da Câmara
imediatamente, para preservar a Casa e para que não continue usando o poder que
o cargo lhe dá para sua defesa pessoal", disse à BBC Brasil.
Os
parlamentares que cobram a saída do peemedebista afirmam que ele está usando a
estrutura da Câmara para atrapalhar as investigações. Um episódio que alimentou
essas críticas foi a contratação da empresa Kroll pela CPI da Petrobras, com o
objetivo de investigar alguns dos delatores do esquema de corrupção.
Defesa
Muitos
deputados, porém, mantêm o apoio para que Cunha permaneça no cargo.
Ouvidos pela
BBC Brasil, Marcus Pestana (PSDB-MG) e Alceu Moreira (PMDB-RS) defenderam o
direito dele de permanecer na cadeira mesmo se o STF aceitar a denúncia e
torná-lo réu.
"Por que
as outras autoridades que têm denúncias semelhantes não têm tratamento
semelhante? Por que só ele e o Collor (foram denunciados)? Há de se perguntar
se há outros interesses além do fato em si", questionou Moreira.
"Até que
se transite em julgado, uma ampla defesa é um direito capilar. Se fosse por
desmoralização, a Dilma já tinha que ter saído, o Lula tinha que estar
preso", argumentou.
Pestana diz
que não concorda com a "teoria da conspiração" e acredita na
independência do Ministério Público na condução das investigações. Mas concorda
com o argumento de que Cunha ainda vai se defender.
"Não cabe
a nós da oposição blindar nem acusar. Ele, como todos os outros, tem direito à
presunção da inocência. Isso não vai parar no Cunha, vai chegar no presidente
do Senado (Renan Calheiros) e em mais de 50 parlamentares", concluiu.
No caso de o
STF tornar Cunha réu, no entanto, é esperado um novo desgaste na sua rede de
apoio. "Se o Judiciário aceitar (a denúncia) e a partir daí ele se tornar
réu, nós vamos reunir a bancada e o partido para encaminhar o afastamento ou o
que tiver que fazer", observou o líder do PPS, Rubens Bueno.